O MÚLTIPLO DO HUMOR
Desde que me entendo como gente que conheço o mestre dos mestres Chico Anysio. Assistia ao programa Chico City, uma cidade onde morava seus inúmeros personagens que fazia todos caírem no riso. Quem não se lembra de Pantaleão e Pedro Bó, Véio Zuza, Azambuja e tantos outros que povoavam o imaginário coletivo com seus bordões que até hoje são sucessos inesquecíveis... É mentira Terta? Verdade!
Chico como um bom cearense e nordestino não podia ser diferente, se virava nos 30 e assim, conseguiu o feito de trabalhar em várias funções em menos de um mês, dominou o rádio com sua imensa capacidade criativa, sendo locutor, rádio ator, comentarista esportivo e redator de programa humorístico. Foi-se a carreira de um futuro advogado para entrar em cena um brilhante humorista com seus inúmeros personagens e situações engraçadas, que logo iria ter nova morada na televisão.
A gente Perde o farol, o norte do humor genuíno e não aproveitado pela televisão brasileira que achou de descartar em nome da modernidade, que hoje dita às normas do humor brasileiro e segundo o próprio Chico Anysio é único no mundo. Quando vamos rever quadros como o a "Escolinha do Professor Raimundo" que ensinava divertindo e salvava uma legião de humoristas antigos que não serviam mais para o riso, mas ajudou muito a construir a base para os futuros humoristas (se forem inteligentes) quando bebem da fonte do verdadeiro humor dos consagrados grandes mestres como Ankito, Oscarito, Mazaropi, Zé Trindade, Golias, Brandão Filho, Rony Cócegas, Grande Otelo, Costinha, José Vasconcelos, Francisco Milani entre tantos outros.
Chico Anysio foi aquele cidadão consciente da preservação dos bons valores e do humor feito no passado e, por isso mesmo a escolinha nunca ficava vazia, sempre tinha uma carteira a esperar por algum humorista que não estava no padrão e também por não enxergar distinção no humor, fazendo aparecer novos talentos a exemplo de Tom Cavalcante, Cláudia Jimenez... “Não existe humor antigo e humor novo — ele ou é engraçado ou é sem graça” sentenciou.
O humor brasileiro deve a ele a estética no humor com sacadas geniais que sempre mexiam na reflexão do nosso cotidiano e assim, surgiram novas figuras como o político Justo Veríssimo, onde fazia uma crítica inteligentíssima da classe política, nos fazendo perceber que para eles o povo sempre será uma massa de manobra, depois disso só explodindo. Pelo lado da religião não deixou por menos e novamente na figura do pastor Tim Tones mostrava, já naquele tempo, que a igreja "invisível", leia-se a Evangélica, estava ganhando terreno e ficando a cada dia mais poderosa.
Sua inteligência de como fazer um humor de qualidade e crítico sem perder a essência, faz dele um humorista único. Sua arte não tem comparação e muito menos escola. O que ele aprendeu jamais será ensinado com tal perfeição, pois pessoas que nascem pra ser craque, mestre, divino são únicas no mundo. Não teremos outro Chico Anysio.
Ele veio de uma escola onde o humor tinha qualidade e também era duradouro.
Os programas humorísticos levavam anos e seus quadros caíam fácil no gosto popular. Esse humor “das antigas” tem seu valor, pois serve de referência de como fazer um programa capaz de alcançar boas audiências, que são a garantia de sucesso e permanência no ar. Ao contrário dos atuais que mal emplacam três ou quatro temporadas no máximo. Um exemplo perfeito desse fenômeno, nascido no formato antigo é "A Grande Família" que há décadas os telespectadores não se cansam de assistir. Isso prova o quanto o Chico estava certo em defender seu ponto de vista, do qual a velha receita ainda produz bons pratos. Não há necessidade em mexermos no cardápio, mas na qualidade dos futuros talentos.
O múltiplo do humor deixará eternas lembranças que não serão substituídas e certamente não encontraremos ninguém pro seu lugar, que sejam vários em um e um em muitos, capaz de arrancar admiração por sua desenvoltura naquilo que cria com tanta simplicidade em matéria de provocar sorrisos. Parece-nos ser tão fácil contar uma piada por personagens tão distintos e tão reais do nosso cotidiano... O humorista Chico Anysio levou consigo a receita de como sorrir sutilmente da nossa própria miséria, sem nunca perder a medida e nem esquecer que o riso conforta nossa condição de meros mortais.
Hoje no céu a galera do humor vai receber quem faltava para criar situações hilárias e atuar nos disfarces das suas criações. Chico não chegará sozinho, estarão presentes Azambuja, Panteleão, Lingote, Baiano, Nazareno, Meinha, Bento Carneiro, Bozó, Roberval Taylor, Alberto Roberto, Coalhada, Gastão, Haroldo, Justo Veríssimo, Painho, Popó, Professor Raimundo, Salomé, Silva, Tavares, Coronel Limoeiro, Urubulino e o restante dos 209 conhecidos seus, acompanhando o amado mestre.
Aqui o tempo amanheceu chuvoso, todavia lá em cima é certeza de boas risadas.